O risco do desencanto

    Novo ano letivo! Novo? Para muitas pessoas em Educação, não. A tentação delas é entrar na escola cantarolando cinicamente "já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada, seus segredos sei de cor; já conheço as pedras do caminho e sei também que ali sozinho vou ficar, tanto pior".

     Esses versos melancólicos iniciam uma genial canção de sofrimento afetivo, retrato em branco e preto, criada por Tom Jobim e Chico Buarque em 1968; aquele foi um ano especial, no qual, pelo mundo afora, milhares de jovens em revolta romântica, expressaram inconformidade e desejaram vida coletiva melhor, apoiada em uma idéia (ridicularizada até hoje pelos idiotas do realismo): Paz e Amor. Foram além aqueles jovens, ao empunharem dois lemas essenciais para romper os laços da reclusão voluntária em um presente que aparenta ser insuperável: "A imaginação no poder!" e "Sejamos realistas: queiramos o impossível!".

     Ora, não são poucos os que, agora mais idosos e atuando na docência ou gestão das escolas, sonharam intensamente naquele período, mas acabaram perdendo a imaginação e tornando-se reféns do possível. Assim, esses são capazes de recomeçar o ano letivo como um fardo a ser carregado tal como sempre o foi, tomando como guia uma outra estrofe da mesma canção: "Lá vou eu de novo como um tolo, procurar o desconsolo que cansei de conhecer; novos dias tristes, noites claras...".

     Essa postura desanimada é sinal de envelhecimento do espírito inquieto e desafiador que deve marcar a prática pedagógica; essa submissão ao "estado das coisas como elas estão" é indício de adoecimento da amorosidade compartilhada que insufla o encanto docente. Desanimar é tirar a animação, isto é a "anima", a alma, o espírito vital que fortalece e dá sentido à nossa profissão e compromisso.

     É sempre necessário lembrar as palavras de Paulo Freire (incansável construtor do impossível) em julho de 1991: "Quando a gente diz: 'a luta continua', significa que não dá para parar. O problema que a provoca está aí presente. É possível e normal um desalento. O que não é possível é que o desalento vire desencanto e passe a imobilizar".

     De fato, não pode ser possível que o desalento vire desencanto e imobilize nossa ação! Há muito para ser feito, reinventado, recriado, renovado; os problemas aí continuam e precisam ser conjuntamente enfrentados. A desistência ou indiferença indicam o falecimento da esperança e, nessa condição, é melhor ser íntegro e honesto e procurar outros caminhos fora da Educação.

     O bom nestes nossos tempos de recomeço é render-se à paixão educativa que nos envolve e murmurar, sem ingenuidade, mas com convicção, um outro pedaço de nós na mesma canção: " O que é que eu posso contra o encanto desse amor que eu nego tanto, evito tanto, e que, no entanto, volta sempre a enfeitiçar"?

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